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Foto do escritorDalmo Moreira Junior

A ilusão do ativismo



Ativismo, na sua concepção etimológica, significa defender algo. No sentido filosófico, pode ser descrito como qualquer doutrina ou argumentação que privilegie a prática efetiva de transformação da realidade em detrimento da atividade exclusivamente especulativa. Na política, também pode ser sinônimo de militância, particularmente por uma causa. A mídia, por sua vez, usa o termo ativismo como sinônimo de manifestação ou protesto, geralmente conectado a causas progressistas e/ou revolucionárias. Independente do conceito, a ação é sempre preponderante.


Como ocidentais, nos acostumamos a agir para atingir determinados resultados que consideramos necessários ou desejados em algum contexto específico. Seja para aproveitarmos as oportunidades que surgem à nossa frente ou para executarmos um plano pré-concebido para aquele fim ou propósito. Isso se aplica a praticamente qualquer situação ou causa, seja ela pequena, grande, breve ou demorada. A vontade de agir é o que geralmente nos move, e o momento favorável é oferecido, geralmente, como uma oportunidade que, mesmo sendo gerada pelo acaso, deve ser aproveitada.


Mas nem sempre levamos em consideração o que não enxergamos naquela determinada situação ou naquele determinado momento. É imperativo agir, a oportunidade está lá e não podemos ignorá-la. Nos planejamos e nos preparamos para isso, afinal. Só que, em muitos casos, é possível agir sem agir, é possível ser eficaz ao esperar. E é isso que a sabedoria milenar chinesa nos ensina: enxergar o ativismo e a própria ação sob outra perspectiva.


Para os chineses, o momento favorável para agir não é determinado pela nossa vontade, ele é determinado pelo potencial da situação. Vista pelo ponto de vista da transformação, uma oportunidade é simplesmente o final de um processo. O potencial da situação, neste caso, deve ser detectado no momento em que se configura. Desta forma, ao invés de aproveitar uma oportunidade fugaz, correndo riscos de perdermos o controle e não produzirmos resultado algum, estaremos em posição de acompanhar cada passo de seu desenvolvimento e certos - e prontos - para aproveitá-la no momento certo. Enquanto que do lado ocidental uma oportunidade é fundamentalmente trágica, única e não repetível, para os chineses ela é concebida como uma transição, uma emergência momentaneamente visível de uma contínua transformação. Esperar, nesse caso, é o corolário da antecipação. Para o sábio, se a situação é completamente desfavorável e mostra nenhum sinal a seu favor, ele espera.


E como atingir algum resultado sem esforço algum? Ao contrário do ocidente, que considera a não ação como o reverso da ação heroica, representando renúncia e passividade, para os chineses é refreando nossas ações (sabendo não agir) que damos origem ao que desejamos como resultado. Aqui temos duas lógicas antagônicas: a lógica do ativismo e a lógica do não envolvimento. Enquanto que na primeira quanto mais você conquista, mais você corre o risco de perder, na segunda a transformação implícita toma o lugar da ação direta, fazendo com que você permita que as coisas aconteçam sem recorrer à ação planejada (você age sem agir).


Para entendermos melhor como isso se aplica à eficácia, devemos imaginar que uma ação, ao se fundir com o curso espontâneo das coisas, torna-se indetectável. Desta forma ela passa desapercebida por aqueles que se contraporiam a ela (menor resistência), possibilitando um resultado mais eficaz à medida que a situação se configura a seu favor. Enquanto a ação, pré-fixada num plano, é sempre marcada pela natural arbitrariedade de seu movimento inaugural e precisa de algum nível de força (ou esforço) para se infiltrar na realidade, a reação é, desde o início, sempre justificada por qualquer coisa que dê origem a ela, tornando-se móvel e alerta ao menor sinal de mudança. A primeira transcende a natureza física das coisas (transcendente) e a segunda está inseparavelmente contida na natureza de um ser ou de um objeto (imanente).


Agir em detrimento da configuração que a situação ao qual você se defronta vai se transformando (ou se transfigurando) é o mesmo que desconsiderar (ou ignorar) a capacidade do outro em reagir (ou não reagir) de forma exatamente contrária ao que foi (ou não) imaginado. Seu impulso de agir, fixado num plano mental pré-concebido e sem considerar a contra-reação do evento em curso, pode resultar num prejuízo imprevisível e, algumas vezes, fatal.


Agora, como permitir que os efeitos aconteçam, como produzir efetividade? Para o ocidente estas questões são frequentemente levantadas no contexto das ciências e da tecnologia, isto é, em circunstâncias em que podemos construir um objeto que é estável e claramente definido (visível); e também é levantada nos domínios da arte e do discurso - estética e retórica - onde se trata de produzir um determinado efeito (beleza ou persuasão). Para o pensamento chinês, entretanto, considera-se que um efeito não deve ser medido por aquilo que podemos ver, por aquilo de que estamos cientes e, portanto, falamos sobre, pois o aspecto visível de um efeito é de mínima importância. O efeito deve parecer resultar puramente da situação e fundir-se com sua coerência. Deve ser aceito por todos como inelutável - como se fosse algo que aconteceria e não fosse imposto de forma alguma.


Essa é a essência da ilusão do ativismo: o que não é visto, ou observável, é mais importante do que aquilo que é visível.


Há uma conexão clara desse conceito com nossa percepção da realidade. Ao querermos transformá-la ao invés de nos conformarmos a ela (o conceito de conformidade aqui não é o mesmo que aceitação), podemos estar nos tornando reféns de determinadas ideias/ideologias que almejam um futuro nunca realizável, servindo apenas para retroalimentar discursos que visam poder e controle. Isso não quer dizer que não devemos lutar por determinadas causas, mas que devemos prestar atenção ao que está oculto por trás delas. Nem sempre o que queremos é desejável, e nem sempre o caminho que escolhemos nos leva à plenitude de nossa humanidade.





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