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Foto do escritorDalmo Moreira Jr.

A Rebelião das Massas - José Ortega y Gasset

Atualizado: 28 de abr.



A desmoralização da humanidade

A Rebelião das Massas, ao contrário do que possa parecer, não é um livro sobre política - ele é essencialmente um livro sobre filosofia e sobre humanidade. O autor, José Ortega y Gasset, considerado o maior filósofo espanhol do século XX, faz uma análise primorosa da civilização europeia do final da década de 1920 e das transformações que a influenciaram. Inicialmente escrito na forma de artigos para o jornal El Sol em 1929, ele foi lançado em forma de livro no mesmo ano.


Para assimilar o significado da obra, é preciso entender o que Ortega conceitua como massa e o que a expressão que dá título ao livro significa. Mas a tarefa não é tão simples como parece, dado que sua definição só vai ficando mais clara durante a leitura, fazendo com que sua construção mental para nós, leitores, seja gradual. E mesmo após quase 100 anos, as palavras do autor nos remetem a uma contemporaneidade impressionante, tamanha é a similaridade deste conceito com o homem atual e com a época em que vivemos.


Podemos entender como massa o homem médio, o homem medíocre, aquele que, segundo Ortega, tem ideias taxativas sobre tudo, mas que perdeu a capacidade de ouvir. A rebelião, neste caso, consiste na obliteração dessa alma média. Ao descrever a década em que vive para exemplificar esse tipo de homem, Ortega evoca tempos de mudança (ou de ruptura) em relação ao passado, especialmente em comparação ao século XIX, um século onde o progresso da ciência e os avanços da tecnologia transformaram radicalmente a vida em sociedade. Essencialmente revolucionário, este século preconizava a implantação de uma nova ordem que tergiversava com a tradicional.


Apesar de todos estes avanços, e também por causa deles, o homem começa a se contentar com o repertório de ideias dentro de si e passa a se considerar intelectualmente completo. Ao não sentir falta de nada que está fora dele, o homem instala-se naquele repertório definitivamente. E esse é o mecanismo da obliteração.


Para Ortega, houve, a partir deste hermetismo intelectual, um desprezo pelas instâncias que regulam a formação das ideias e opiniões. Instâncias estas que são compostas por uma série de normas aos quais se pode apelar numa discussão e nos conduzir à verdade. O homem massa, neste caso, é alguém que não tem vontade de ser verídico e que opina sem admitir a existência daquelas instâncias, fazendo com que suas ideias não sejam mais do que apetites com palavras.


Além do hermetismo intelectual, há também o hermetismo da alma, que é o repúdio a toda forma de convivência. Renuncia-se à convivência de cultura, que é uma convivência sob normas, e se retrocede a uma convivência bárbara. Suprimem-se todos os trâmites normais e vai-se diretamente à imposição do que se deseja. A massa não deseja a convivência com o que não seja ela. Ela quer se aproveitar das vantagens da civilização, mas não se preocupa em sustentá-la. O centro do regime vital do homem massa consiste principalmente na aspiração de viver sem se sujeitar à moral nenhuma.


O homem massa é o homem cuja vida carece de projetos e anda à deriva. Por isso não constrói nada, ainda que suas possibilidades, seus poderes, sejam enormes. Mas é esse tipo de homem quem decidia naquele tempo e que ainda decide agora. Ele crê que o mundo técnico e socialmente evoluído que encontrou foi produzido pela natureza, sem jamais pensar nos esforços geniais de indivíduos excelentes que a sua criação pressupõe. Podemos compará-lo, neste aspecto, a um menino mimado, ingrato e cheio de vontades.


Defensor de uma democracia liberal e preocupado com o futuro da civilização europeia, Ortega queria um Estado Europeu que respeitasse sua história para justamente poder escapar dela, e não desprezá-la e repetir os erros do passado. Podemos entender a partir daí que, para ele, era necessário conservar o passado para superá-lo. O que outrora venceu o que era anterior a ele, precisava ser compreendido e respeitado, e não negado simplesmente. A geração daquela época (assim como a nossa atual) não entendia dessa forma e estava prestes a repetir os mesmos erros que levaram as revoluções à ruína.


Ortega conclui, ao final do livro, de que a rebelião das massas significava a radical desmoralização da humanidade, em especial a desmoralização da Europa. Quase um século depois, podemos supor que ele diria, se ainda vivesse entre nós, que pouca coisa mudou.


A Rebelião das Massas é, sem dúvida, a obra de um pensador admirável. Ortega y Gasset incorpora perfeitamente o espírito ousado do homem intelectualmente independente, aquele que apresenta suas ideias e opiniões sem receio de incomodar ou anseio de agradar o leitor ou o ouvinte. Um tipo de homem que se fez e se faz necessário em todos os momentos da história, mas que com a ascensão do homem massa ao poder e ao controle das instituições da sociedade, tornou-se perigosamente ameaçado.



Editora : Vide Editorial; 1ª edição (22 janeiro 2016); 364 páginas. Clique aqui para comprar o livro na Amazon.








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