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A Treatise on Efficacy (Parte 2/3) - François Jullien

Atualizado: 24 de jan. de 2023



Um Tratado sobre Eficácia - Parte II

Nesta segunda parte da resenha, vamos começar tratando de como se estrutura a oportunidade tanto no pensamento ocidental quanto no chinês. Para uma melhor compreensão do texto, recomendo que você leia a Introdução e a Parte I.

Para o ocidente, oportunidade significa o momento favorável que é oferecido pelo acaso e que a habilidade nos permite explorar. Para os chineses, ela é determinada pelo potencial da situação. Vista pelo ponto de vista da transformação, uma oportunidade é simplesmente o final de um processo. O potencial da situação, neste caso, deve ser detectado no momento em que se configura. Desta forma, ao invés de aproveitar uma oportunidade fugaz, correndo riscos de perdermos o controle e não produzirmos resultado algum, estaremos em posição de acompanhar cada passo de seu desenvolvimento e certos - e prontos - para aproveitá-la no momento certo. Enquanto do lado ocidental uma oportunidade é fundamentalmente trágica, única e não repetível, para os chineses ela é concebida como uma transição, uma emergência momentaneamente visível de uma contínua transformação. Esperar, nesse caso, é o corolário da antecipação. Para o sábio, se a situação é completamente desfavorável e mostra nenhum sinal a seu favor, ele espera.

E como a eficácia pode resultar de esforço algum (a não ação)? Ao contrário do ocidente, que considera a não ação como o reverso da ação heroica, representando renúncia e passividade, para os chineses é refreando nossas ações (sabendo não agir) que damos origem ao que desejamos como resultado. Aqui temos duas lógicas antagônicas: a lógica do ativismo e a lógica do não envolvimento. Enquanto na primeira quanto mais você conquista, mais você corre o risco de perder, na segunda a transformação implícita toma o lugar da ação direta, fazendo com que você permita que as coisas aconteçam sem recorrer à ação planejada (você age sem agir).

Para entendermos melhor como isso se aplica à eficácia, devemos imaginar que uma ação, ao se fundir com o curso espontâneo das coisas, torna-se indetectável. Desta forma ela passa desapercebida por aqueles que se contraporiam a ela (menor resistência), possibilitando um resultado mais eficaz à medida que a situação se configura a seu favor. Enquanto a ação, pré-fixada num plano, é sempre marcada pela natural arbitrariedade de seu movimento inaugural e precisa de algum nível de força (ou esforço) para se infiltrar na realidade, a reação é, desde o início, sempre justificada por qualquer coisa que dê origem a ela, tornando-se móvel e alerta ao menor sinal de mudança. A primeira transcende a natureza física das coisas (transcendente), e a segunda está inseparavelmente contida na natureza de um ser ou de um objeto (imanente).


Agora, como permitir que os efeitos aconteçam, como produzir efetividade? Para o ocidente estas questões são frequentemente levantadas no contexto das ciências e da tecnologia, isto é, em circunstâncias em que podemos construir um objeto que é estável e claramente definido (visível); e também é levantada nos domínios da arte e do discurso - estética e retórica - onde se trata de produzir um determinado efeito (beleza ou persuasão). Para o pensamento chinês, entretanto, considera-se que um efeito não deve ser medido por aquilo que podemos ver, por aquilo de que estamos cientes e, portanto, falamos sobre, pois o aspecto visível de um efeito é de mínima importância. O efeito deve parecer resultar puramente da situação e fundir-se com sua coerência. Deve ser aceito por todos como inelutável - como se fosse algo que aconteceria e não fosse imposto de forma alguma.


Para os chineses, qualquer efeito que resulte do uso da força, ou que dependa dela, está condenado à efemeridade, dado que uma vez que qualquer manifestação de força tende a ser temporária, qualquer efeito que dependa da força logo se esgotará. Um efeito não deve ser forçado, não se deve tentar dominá-lo e deve-se evitar saturá-lo, ou seja, devemos evitar o excesso. O efeito ocorre não quando transborda, mas quando começa a acontecer. Para o Tao (ou o Caminho em chinês) quem busca o transbordamento não busca a plenitude. Não há futuro para o que está cheio; pois ele só pode transbordar. Ao passo que o que não é pleno aspira à plenitude e assim pode renovar-se.


A verdadeira eficácia parece o reverso de um efeito completo, nunca atinge o seu resultado e é precisamente por isso que continua a provocá-lo. Esvaziar-se de regras pré-estabelecidas e proibições é manter a realidade em movimento e, portanto, torná-la eficaz permitindo que as coisas aconteçam, para que a ação ocorra sem atividade. O vazio é um fundo inesgotável de efetividade. Em vez de empurrar para frente, permita-se ser empurrado.


Qualquer estratégia, portanto, parece, no final das contas, se resumir a simplesmente saber como implicar um efeito, saber como lidar com uma situação a montante (num fluxo ascendente) de tal forma que o efeito flua naturalmente dela. Levando essa lógica o mais longe possível, chegamos à seguinte conclusão: um bom estrategista é uma pessoa que sabe como lidar com um espaço vazio que se apresenta no centro de uma situação (uma condição que falta) de tal forma que um efeito compensatório, operando em seu favor, deve, inevitavelmente, produzir resultados.


Podemos deduzir, então, que a eficácia é um efeito que ainda não foi preenchido e, portanto, tende a se desdobrar. Considerando que toda realidade é um processo contínuo, a eficácia não é algo que alguém deve procurar, ela precisa derivar naturalmente de um processo que está se desdobrando. Isso não significa que você não deve agir, mas deve fazê-lo o mais cedo possível. Quando mais cedo você age no curso das coisas, menos você precisa agir sobre elas. Ao acompanhar o início dos acontecimentos, pode-se, desde o início, aproveitar o máximo a menor possibilidade.


Mas e quanto à eficiência? Qual é sua importância e como ela se distingue da eficácia no pensamento chinês? Enquanto a eficácia pode ser identificada e seus resultados são, portanto, diretamente perceptíveis, a eficiência passa despercebida. Desligada da noção de causa, ela parece ser uma eficácia que não está mais ligada a nenhuma ocasião particular, ela deriva da fluidez e da continuidade de um processo. Ao contrário da eficácia, ela não precisa ser desejada, pois deriva das condições implicadas numa situação. A eficiência é identificada com a imanência, que é a qualidade do que pertence à substância ou essência de algo, à sua interioridade, em contraste com a existência, real ou fictícia, de uma dimensão externa.


Na 3ª e última parte desta resenha, vamos começar tratando da arte da manipulação chinesa e depois compará-la com a persuasão.




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