Um Tratado sobre Eficácia - Parte I
A tradição ocidental concebe a eficácia a partir de formas abstratas, ideais, que se configuram como modelos a serem projetados no mundo e que deliberadamente estabelecemos como uma meta a atingir a partir de um plano. É uma tradição baseada em meios e fins, ou na inter-relação entre teoria e prática. Na China, entretanto, descobrimos um conceito de eficácia que nos ensina a aprender como permitir que um efeito (ou uma meta) aconteça: não objetivá-lo (diretamente), mas implicá-lo (como consequência), ou seja, não fazê-lo. Em outras palavras, não buscá-lo, simplesmente permitir que ele aconteça.
Essa definição, por si só, já estabelece a diferença básica entre os dois modelos mentais abordados no livro de François Jullien. O pensamento ocidental nos orienta em direção à obtenção de um resultado a partir de uma determinada ação, já o pensamento chinês nos orienta a agir de acordo como a situação vai se transformando. E essa é a grande sutileza que os diferencia, dado que a maioria de nós considera a ação como um meio para se atingir um resultado, construindo modelos que se submetem à prática e planejando todas as ações até atingirmos a meta desejada.
Cabe ressaltar que o objetivo do livro não é comparar as duas tradições para escolher, entre as duas, a mais eficaz, e sim para nos ajudar a compreender que podem existir formas alternativas ou complementares para buscarmos determinados resultados, e que estas formas não passam necessariamente pelo modelo mental a que estamos acostumados. A escolha de um ou outro também não significa garantia de eficácia, mas sim de autoconhecimento, de desconstrução e de (re)descoberta.
O pensamento chinês está fora de nossa sabedoria convencional, pois não constrói modelos de mundo a que estamos acostumados, sejam eles ideais ou arquétipos. Ele considera toda a realidade como um processo regulado e contínuo que decorre puramente da interação dos fatores em jogo (que são ao mesmo tempo opostos e complementares: os famosos yin e yang).
O autor cita como exemplo o sábio chinês que, em vez de estabelecer um modelo que sirva de norma para suas ações, tende a concentrar sua atenção no curso das coisas em que se encontra envolvido, a fim de detectar sua coerência e obter um resultado positivo à medida que elas evoluem. Trazendo para nossa realidade, ao invés de impormos um plano para o mundo, nós poderíamos contar com o potencial inerente da situação (potencial aqui significa uma coleção de circunstâncias favoráveis), possibilitando, assim, a realização de menos esforço e a obtenção de mais resultado.
O potencial da situação não pode ser visto com antecedência, apenas detectado, dado que muda o tempo todo. Podemos fazer uma analogia com um oponente num combate, onde não é possível prever seu posicionamento e configuração corpórea, mas podemos detectar quando isso acontece. Como resultado, constatamos que a estratégia não pode ser determinada antecipadamente, mas apenas com base no potencial da situação que se (trans)forma. É a evolução das condições que se apresentam a cada momento que determinam a ação supostamente mais eficaz a ser tomada. É uma relação de condição e consequência ao invés de uma relação de meios e fins. Enquanto na tradição ocidental procuramos a eficácia pela ação, na tradição chinesa se busca a eficácia pela transformação.
Na cultura chinesa não há épicos, dado que, ao contrário da cultura ocidental, não existe o culto à ação - heroica ou trágica. Um general que obtém a vitória sem destruir o inimigo, fazendo-o desistir de lutar, consegue ser mais eficaz do que aquele que, valendo-se de todos os seus recursos militares, destrói seu inimigo completamente. É a vitória pela desconstrução, pela transformação do potencial da situação em eficácia. Para o ocidente, ao contrário, um general geralmente só é valorizado e reconhecido pelo resultado das suas ações no campo de batalha. Enquanto a ação é visível, a transformação é como o vento - invisível, mas cujos efeitos são perceptíveis em todos os lugares.
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