Um triunfo da imaginação humana
Meu primeiro contato com o universo de Duna foi através do filme homônimo de 1984 que, pelo que eu me lembro, tinha características incomuns para um filme de ficção científica, em que a tecnologia não era o foco, e sim o misticismo e as relações de poder. Críticas cinematográficas à parte, foi um filme, pelo menos para mim, mais angustiante do que interessante. Talvez isso tenha me desencorajado a ler o livro, o que foi realmente uma pena.
Às vésperas de estrear o remake nos cinemas, resolvi, finalmente, ler a obra. E confesso que as lembranças do primeiro filme ficaram totalmente para trás. Acabei descobrindo um universo tão atraente quanto complexo, enredado por uma teia de acontecimentos e termos que me obrigaram, prazerosamente, a ler e consultar todos os apêndices do livro, como se isso fizesse parte de um aprendizado necessário para compreender toda a trama.
A história se passa 20 mil anos após a nossa era, onde a raça humana, espalhada por milhares de planetas, organiza-se através de uma estrutura política semelhante a um sistema feudal. Este sistema é sustentado por um tripé de poder: A família imperial, as casas maiores do Landsraad e a Guilda Espacial. Permeando essa estrutura, há também a irmandade das Bene Gesserit, uma escola de treinamento físico e mental, exclusivamente para alunos do sexo feminino, que conduz um programa de reprodução seletiva de seres humanos e, dessa forma, influencia a hereditariedade de todas as casas.
Mas, ao contrário do que poderia se imaginar, apesar de haver tecnologia avançada, não há computadores, máquinas pensantes ou robôs conscientes. Eles haviam sido abolidos pela humanidade, após o que Frank Herbert chamou de "A Grande Rebelião", 10 mil anos antes dos acontecimentos do livro. Dessa forma, o foco da raça humana virou-se para seu próprio aprimoramento, mesmo que isso fosse realizado através de alterações genéticas e/ou com a ajuda de drogas desenvolvidas para amplificar certas habilidades. Esse foco, talvez, tenha se tornado o grande diferencial desta obra para outras do mesmo gênero, dado que a tecnologia acabou se tornando secundária na trama, mesmo num futuro tão distante.
Duna, como é conhecido o inóspito Planeta Arrakis, é onde se desenrola quase toda a história. Um planeta hostil à vida humana, um lugar em que a água é o bem mais precioso para seus habitantes, mas onde também é extraído o produto mais cobiçado do universo: o mélange, a especiaria das especiarias. Uma droga conhecida por estender a vida humana e também por amplificar o estado de consciência, gerando, para alguns, habilidades de presciência quase proféticas. Através dessa última característica, a especiaria também possibilita as viagens interplanetárias, tornando-se, assim, crucial para a sustentação de todo o sistema político e econômico.
Paul Atreides, o jovem filho do Duque Leto Atreides, soberano de uma das casas maiores, é o personagem central do livro, uma espécie de messias para os habitantes do planeta, os Fremen, e a solução genética profetizada pelas Bene Gesserit, um indivíduo cujos poderes mentais e orgânicos viriam a unir o espaço e o tempo. O amadurecimento de Paul ao longo da história e a gradual aceitação de seu destino é uma das partes mais interessantes do livro, pois mesmo com todo seu poder de presciência e preparo mental, ele mantém seu lado humano consciente e torna-se, gradativamente, o líder que todos passam a admirar, respeitar e temer.
Misturando misticismo, política e ecologia planetária, temos, ao final, uma grande aventura em que disputas entre bem e mal, vilania e retidão, tradição e novos conceitos, transformam indivíduos e definem a sobrevivência da nossa espécie.
Duna é um triunfo da imaginação humana, uma verdadeira obra-prima da ficção científica, um clássico que merece ser lido por todos os amantes do gênero. Para quem vai assistir ao filme que vai estrear em breve, conforme mencionamos na Red Umbrella News #3, recomendo sua leitura antes de ir ao cinema. Mesmo prometendo ser bem melhor que a primeira versão, o filme, provavelmente, não vai conseguir abranger todo a complexidade do universo do livro sem deixar de lado algum fragmento importante. Segundo um ditado dos Fremen, "Deus criou Arrakis para treinar os fiéis". Depois de ler o livro, você vai acabar se tornando um deles.
A Aleph apresenta uma edição à altura de sua mitologia. São 680 páginas que compilam a obra integral, com uma introdução inédita de Neil Gaiman, além de apêndices, notas cartográficas e um glossário, tudo isso convidando o leitor a expandir o conhecimento da jornada de Paul Atreides e das famílias do Imperium. Aproveite a oferta na Amazon e adquira o seu clicando aqui.
Notas sobre o autor: Frank Patrick Herbert Jr. é um dos autores de ficção científica mais cultuados da modernidade. Nascido no dia 8 de outubro de 1920 na cidade de Tacoma, no estado norte-americano de Washington, Herbert cresceu em uma família pobre, mas que não o impediu de prosperar. Mesmo falecendo em 1986, é inegável que o legado de Frank Herbert continua tão forte quanto 35 anos atrás. Fazendo de tudo um pouco na vida (de pescador de ostras a editor renomado em jornais e revistas), o autor soube construir um universo vasto, rico e extremamente criativo, que figura ao lado das grandes epopeias galácticas já imaginadas, como Fundação e Star Wars (esta, inclusive, inspirada na obra de Herbert, como já declarou George Lucas). Com atenção quase científica, ele foi capaz de criar mundos complexos e gerações inteiras de povos a partir de diferentes conceitos sem perder a essência fantástica que fez de Duna e de suas sequências uma série única.
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