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Inovação em materiais para técnicas forenses


Reveladores digitais


Introdução


Não é novidade para ninguém que o Brasil impõe aos empreendedores uma série de dificuldades, e que cabe ao empreendedor, conhecendo este ambiente, buscar formas de se preparar para enfrentar os riscos envolvidos principalmente quando o assunto é inovar. Felizmente, temos muitos casos de empreendedores de sucesso no Brasil, principalmente nas áreas da indústria e do varejo, mas, quando falamos de tecnologias ligadas à fronteira do conhecimento, este grupo fica bem mais restrito. Assim, este artigo fala sobre isso, como aproveitar a dificuldade para inovar, fazer o bem e gerar valor, tendo como premissa o ato de enxergar formas de criar oportunidades nas dificuldades.


Dificuldade


Em julho de 2017, eu estava liderando projetos de inovação de alto risco tecnológico (alguns já compartilhados por aqui) e enfrentando uma série de desafios do ponto de vista jurídico. Na época, com formação em Química Industrial e Mestrado em Ciência dos Materiais, cursei também uma Pós-Graduação em Direito e Economia (que foi o ponto zero para me abrir os olhos ao meu gap de conhecimento e falta de informação na área).


Como dito por Albert Einstein, “informação não é conhecimento, conhecimento é experiência”, me vi totalmente despreparada e sem experiência para lidar com qualquer assunto relacionado ao jurídico, sendo dependente de terceiros.


Neste momento, decidi pivotar minhas áreas de estudo, buscando algo em condição de contorno ao jurídico, que fizesse sentido para as minhas necessidades e que gerasse network rico às vistas de mentoria, assessoria e consultoria. Me inscrevi em uma renomada Pós-Graduação em Perícia Forense, onde eu teria aula em uma diversidade de disciplinas, acesso a professores geniais e me tornaria especialista. Eu sabia que poderia lapidar uma ferramenta superpoderosa para auxiliar o desenvolvimento dos trabalhos.



Oportunidade


Ao longo do curso, me deparei com a disciplina de Papiloscopia e não demorou para me interessar pelo tema, pois, indiretamente, tinha correlação com a área de Materiais, que eu estava habituada. Um dia na aula, o professor realizou uma atividade prática, demonstrando metodologias, materiais e procedimentos de execução. E, ao final, ele falou:

- Pena que a maior parte dos materiais que utilizamos são importados, porque o Brasil não tem tecnologia para produção local. E, claro, pagamos caríssimo pelo fato de não sabermos fazer.

Ao final da aula, eu fui falar com professor e indaguei:

- Professor posso fazer meu trabalho de conclusão de curso na temática de materiais sustentáveis e fabricação local de produtos?

Ele me olhou, sorriu e disse:

- Pode. Como posso te ajudar?

Eu olhei, obviamente sorri de volta, e disse:

- Só preciso que me receba em uma visita no seu laboratório e faça um teste preliminar nas amostras que irei lhe enviar.


Pois bem, em outubro de 2017, lá estava eu, em Brasília, levando as amostras em mãos. Ele me recebeu com muita alegria, chamou a chefe de equipe e pediu o encaminhamento. Tecnicamente, expliquei para a equipe que estávamos fazendo testes preliminares, pois não havia literatura que tangenciasse exatamente o que estávamos fazendo, e que esta seria uma prova de conceito (PoC).


Rapidamente, recebemos os resultados e um dos materiais demostrou potencial de uso, exatamente o material que eu já vinha estudando desde meu trabalho de conclusão da graduação, a Zeólita. Dei o feedback para a equipe que iria buscar para o futuro uma forma de aprimorar a prova de conceito e, obviamente, já tinha um belo trabalho de conclusão de curso.

Para quem se interessa sobre o assunto, seguem trechos extraídos do trabalho de conclusão de curso citado acima:


“A utilização das impressões digitais como característica pessoal data desde os babilônicos, em 2000 a.C., que já usavam os padrões de impressões digitais em barro para acompanhar documentos e evitar falsificações (ASHBAUGH, 1989; CHEMELLO, 2006). Atualmente, no campo das ciências forenses e criminais, a análise de impressões digitais é um dos métodos mais utilizados na identificação de indivíduos nos processos de investigações criminais (PEIXOTO; RAMOS, 2010). A ciência que trata da identificação humana por meio das papilas dérmicas é a papiloscopia, sendo a datiloscopia uma parte desta ciência, que foca no processo de identificação exclusivamente por meio das impressões digitais (LEE et al., 2001; COELHO, 2018). O marco inicial da datiloscopia ocorreu em 1880, quando Henry Faulds apresentou um método para identificação de pessoas através de marcas produzidas pelos dedos, sendo este estudo publicado na revista Nature (FAULDS, 1880).


Vale salientar que existem basicamente três tipos de impressões digitais encontradas em locais de crimes, sendo elas: moldadas, visíveis e latentes. Estas últimas são as impressões mais comuns, por serem produzidas por substâncias expelidas pelo próprio corpo do agente, como suor e gorduras, e geralmente não estão visíveis a olho nu (THOMAS, 1978; MACEDO et al., 2019). Assim, se torna necessário o uso de determinados reagentes químicos em alguns métodos para revelar as impressões digitais latentes, estes reagentes podem se apresentar na forma de pó, líquido ou, até mesmo, na forma de vapor (COELHO, 2018). Revelação com pó, pulverização com ninidrina, fumigação com iodo e imersão com nitrato de prata foram as técnicas mais utilizadas para o desenvolvimento de impressões latentes (GARG et al., 2011; BUMBRAH et al., 2016).


Dentre estes reagentes, os pós reveladores que fisicamente aderem-se aos componentes aquosos e oleosos deixados pelo contato da pele, nas mais diversas superfícies, tem um grande destaque para a detecção de impressões digitais latentes. Esta técnica física é amplamente conhecida como “método do pó” e tem sido bastante utilizada desde o início do século XX (THOMAS, 1978; COELHO, 2018; SODHI et al., 2011; BARROS et al., 2019). Fatores, como tamanho da partícula, forma e área superficial do pó, desempenham um papel importante para a aderência do pó ao resíduo de impressão latente (YAMASHITA; FRENCH, 2010).


Os pós reveladores podem ser classificados em três categorias: metálicos, magnéticos e fluorescentes (BARROS; STEFANI, 2019), porém os fabricantes de pó comercial tendem a rotular os pós através da cor, como preto, branco, cinza, vermelho e assim por diante, ao invés de identificar os ingredientes ou propriedades do referido pó (YAMASHITA; FRENCH, 2010). Algumas partículas que servem como pós de impressão digital incluem: negro de fumo (carbono coloidal), óxido de ferro, óxido de titânio, carbonato de chumbo, talco, caulim, alumínio em pó, entre outros (LEE et al., 2001; CHEMELLO, 2006). Embora os pós sejam usados com sucesso em uma ampla gama de superfícies, eles podem ter algumas limitações, como baixa sensibilidade, alta interferência de fundo, baixo contraste, alto custo de produção e toxicidade elevada (WANG et al., 2015).


Na literatura, diversas pesquisas estão sendo direcionadas para o desenvolvimento de novos substitutos para os reveladores em pó convencionais, sendo que algumas delas utilizam sílica como um dos principais componentes. Singh et al. (2013) investigaram o gel de sílica G em pó, que é facilmente disponível em laboratório, pois é amplamente usado na área de cromatografia, como um possível candidato para o desenvolvimento de impressões digitais latentes. Neste estudo oito diferentes substratos comumente encontrados foram utilizados para o teste, dentre eles, plástico, vidro, espelho comum, papel-carbono e folha de alumínio. Foram observados resultados bem claros na maioria dos substratos, concluindo que o gel de sílica G em pó pode ser um bom substituto para visualização de impressões digitais em comparação com outros pós convencionais.


Zhang et al. (2017) sintetizaram e caracterizaram nanopartículas mesoporosas de sílica, com tamanho em torno de 50 nm, a fim de utilizá-las como um novo agente de revelação de impressões digitais latentes. O corante azul de metileno foi carregado no mesoporo de algumas nanopartículas de sílica com o propósito de aumentar o contraste das impressões digitais. Fazendo uso das partículas de sílica obtidas, os autores empregaram dois métodos, um de pó e outro de suspensão, para testar o desenvolvimento de impressões digitais latentes em vários substratos. Ambos os métodos de pó e suspensão se mostraram eficazes, porém o método de pó alcançou uma melhor detecção da impressão digital latente, apresentando um melhor contraste, seletividade e resolução.


Stefani e Barros (2019) desenvolveram pós fluorescentes micro-estruturados, baseados em corantes benzazólicos e uma matriz de sílica, usando um procedimento simples e de baixo custo, e avaliaram os pós para detecção de impressões digitais em diferentes tipos (porosa e não-porosa) e cores (preta, branca e multicolorida) de superfícies. A eficiência dos pós obtidos foi comparada com pós comerciais (Sirchie®). Estes autores obtiveram resultados promissores, já que os pós desenvolvidos puderam ser usados com sucesso para detecção de impressões digitais nas superfícies propostas, tendo sido sensíveis e seletivos, aderindo somente às impressões digitais. Em adição, a formulação do pó utilizando sílica como matrix é biodegradável e não tóxica.”


Neste contexto, a busca por materiais que potencializem a revelação é alvo de interesse nos principais polos de pesquisa forense no mundo e, em especial, nos departamentos de pesquisa da polícia. Assim, o interesse neste tema surgiu pela oportunidade em estudar novos materiais que possam ser utilizados como pós reveladores para impressões digitais latentes, visto que o pó comercial utilizado há mais de décadas é um produto importado, de alto custo e que geralmente apresenta alta toxicidade.


Logo, com o propósito de superar as desvantagens citadas acima, o objetivo desta pesquisa foi de analisar o potencial de um novo material, obtido a partir de uma matéria-prima renovável (casca do arroz), que possa substituir os pós reveladores comerciais, apresentando menor custo, sustentabilidade e baixa toxicidade. A hipótese a ser considerada é a utilização de materiais nanoporosos a base de sílica, que se caracterizam pela alta área específica (em torno de 600 m2/g), o que contribuiria para uma maior adesão desse pó, potencializando a revelação de amostras.


Testes de revelação foram realizados utilizando a Zeólita A e materiais obtidos da casca do arroz, denominados MCM-41, cinza e carvão ativado, em contraste com materiais comerciais padrão, ressaltando que nenhum trabalho foi desenvolvido utilizando como pó revelador de impressões digitais os materiais abordados no nosso estudo. A Zeólita A, por exemplo, é bastante mencionada na literatura para diversos outros fins (SHURSON et al., 1984; AGUADO et al., 2012; IZIDORO et al., 2013; MENG et al., 2017; BEZERRA, 2019), mas não tem sido reportada para a área da investigação forense.


O pó da Zeólita A apresentou um aspecto visualmente fino e de fácil dispersão nas fibras do pincel. Expôs, ainda, facilidade em se aderir às impressões das cristas, revelando as linhas em uma boa intensidade. O pó também demonstrou baixa impregnação dos sulcos, revelando as impressões de maneira nítida.



Criando valor


Com o pré-artigo em mãos, contendo os resultados dos testes do PoC, busquei minha orientadora do Mestrado na UFRGS (Dra. Michèle Oberson Souza) e compartilhei o que havia conseguido até ali, abrindo uma porta, deixando dito para ela:


- Talvez haja alguma oportunidade de a senhora encontrar um time que possa me ajudar a levar isso adiante.


Não demorou muito e ela me contatou:

- Diana, descobri um aluno especialista em reveladores digitais e ele quer empreender, tem patente e acho que faz todo sentido desenvolver algo junto.


Na hora, já me disponibilizei a iniciarmos as atividades, assumindo a mentoria com o aluno e encorajando a desenvolver o trabalho a partir do ponto onde parei, abrindo as portas para testes.


Em um ano, após o Match Making, o aluno Cassio Reis, teve seu projeto de mestrado acelerado pelo programa Centelha, tornou-se empreendedor e desenvolveu uma startup do tipo deep tech, chamada Magnolumi, lançando a primeira linha de produtos de reveladores digitais do Brasil.


O sucesso foi ampliado, além da linha de produtos para a formação de rede de parcerias tecnológicas e, também, junto à universidade, aprovou projetos junto às polícias cientificas, para desenvolvimento de pesquisas aplicadas que irão culminar em novos produtos, conforme segue abaixo, com seus respectivos links:






Agora a Magnolumi está realizando processo de certificação de seus produtos e buscando parceria para expansão comercial tanto no mercado nacional como internacional. A seguir segue foto de linha de produtos:



Daqui para a frente


Depois desta história, mudei em mim a forma de buscar formação e, como afirma Einstein, visando o conhecimento baseado na experiência. A experiência que a papiloscopia me trouxe foi muito rica.


Seguirei apoiando o desenvolvimento da Magnolumi, contribuindo para que ela e o empreendedor decolem e que seu sucesso se reflita em consolidar o Brasil como referência em tecnologia forense, auxiliando o acesso a materiais de ponta para as nossas polícias.


Beijos cheios de moléculas valiosas.

@dianafinkler


Fonte: As imagens deste artigo foram fornecidas por Cássio Reis.

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