O retorno do medo e o triunfo da esperança
"The Cold War: A New History" (A Guerra Fria: Uma Nova História), de John Lewis Gaddis, é uma brilhante revisão dos eventos, personagens e dramas que caracterizaram o período mais tenso da história da humanidade. Um período no qual o temor de uma aniquilação total e a disputa pela hegemonia de poder global entre Estados Unidos e União Soviética permearam a vida de todas as gerações do pós-guerra até o início da década de 90.
Apesar de passados 30 anos desde o seu fim, em 1991, acredito que a leitura desse livro é fundamental para todos aqueles que viveram esse período e também para os que vieram depois dele. A grande ameaça de uma guerra nuclear acabou não se materializando, mas os personagens que marcaram essa época e seus eventos, muitos deles trágicos, como as guerras da Coreia, Vietnam, Irã-Iraque e outras, além da forte repressão contra civis, reverberam e nos influenciam até hoje.
A 2ª Guerra Mundial foi vencida por uma coalisão em que seus principais membros continuaram em guerra, ideologicamente e geopoliticamente, e, porque não dizer, militarmente entre si. Do lado ocidental, os Estados Unidos emergiram com a principal potência econômica e militar do planeta, principalmente devido ao fato de que sua economia foi a mais beneficiada com os gastos em tempo de guerra - seu produto interno bruto quase dobrou em menos de quatro anos. Do lado oriental, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), liderada pela Rússia (leia-se Stalin), ampliou sua influência e poder, reforçando nas décadas que se seguiram a disseminação da ideologia marxista-leninista pelos quatro quantos do planeta.
O fato de que os americanos e os britânicos não poderiam ter derrotado Hitler sem a ajuda de Stalin significou que a Segunda Guerra Mundial foi apenas uma vitória sobre o fascismo — não sobre o autoritarismo e suas perspectivas para o futuro. O fardo desproporcional que o Exército Vermelho suportou para derrotar Hitler (morreram mais de 27 milhões de soviéticos no conflito) deu à URSS uma reivindicação moral, talvez até preponderante, na sua influência na formação do assentamento pós-guerra. Era fácil acreditar em 1945 que o comunismo autoritário era a onda do futuro, em detrimento do que o capitalismo democrático havia sido nas décadas anteriores. Para os soviéticos, a crença ideológica na inevitabilidade das guerras entre os países capitalistas reforçava esse pensamento.
No entanto, para muitos tido como improvável, o renascimento e eventual triunfo do capitalismo democrático a partir do final dos anos 90 foi uma surpreendente reviravolta para ambos os lados da divisão ideológica acentuada a partir de 1945. Incapaz de cumprir a promessa revolucionária de melhorar as condições de vida das populações, o comunismo sucumbiu ao seu próprio fracasso. Não obstante, é preciso destacar que, apesar da vitória da democracia como regime preponderante, muitas ditaduras foram apoiadas e sustentadas pelo lado americano, principalmente na América Latina, como forma de evitar a tomada de poder pelos comunistas. Decisões equivocadas que provocam seus efeitos até os dias de hoje, como o recrudescimento da própria ideologia tida como morta e o nascimento de teocracias no Oriente Médio, isso sem falar da própria malversação do termo democracia por grupos que visam unicamente a legitimação da tomada e manutenção do poder.
Personalidades de destaque desse período, como o Papa João Paulo II, principalmente, foram extremamente importantes ao permitir expor as disparidades entre o que as pessoas acreditavam e os sistemas antagônicos sobre os quais a Guerra Fria as obrigou a viver. As lacunas eram mais evidentes no mundo marxista-leninista: tanto que, quando totalmente reveladas, não havia maneira alguma de escondê-los a não ser desmantelar o próprio comunismo e, assim, acabar com a própria Guerra Fria.
A subida de Mikhail Gorbachev ao poder na União Soviética em 1988, como Chefe de Estado, acelerou o processo de desmonte da estrutura política (já em franco processo de desgaste) do estado soviético e do próprio comunismo. Evitando o uso da força para reprimir os movimentos de autonomia dos países do leste europeu, ele acabou permitindo, mesmo inadvertidamente, o enfraquecimento do mito revolucionário que dava sustentação, mesmo que à força, daqueles governos e do seu próprio. Como ele próprio admitiu, o calcanhar de Aquiles do socialismo foi a incapacidade de vincular o objetivo socialista com a provisão de incentivos para o trabalho eficiente e o incentivo à iniciativa por parte dos indivíduos. Tornou-se claro, na prática, que o mercado fornecia tais incentivos de maneira muito mais eficaz.
Mas e a China? Ao contrário do seu par soviético, Den Xiaoping, que sucedeu Mao Tsé Tung em 1978 como líder supremo do país, abraçou o capitalismo como forma de geração de riqueza e crescimento econômico, mas manteve, mesmo com o uso da força, o ideal revolucionário comunista do seu antecessor.
O autor conclui, ao final do livro, que, apesar dos temores universais de que poderia acontecer uma guerra em grande escala envolvendo os Estados Unidos, a União Soviética, e seus respectivos aliados, os líderes desses países provavelmente não eram menos beligerantes do que aqueles que haviam recorrido à guerra como solução para suas divergências no passado. Mas essa belicosidade não tinha otimismo: pela primeira vez na história não se podia ter certeza de ganhar, ou mesmo sobreviver, a uma grande guerra. A transparência — um subproduto da corrida armamentista da Guerra Fria — criou um ambiente totalmente novo que acabou recompensando aqueles que buscavam evitar guerras e desencorajou aqueles que tentavam provocá-las. O que começou com um retorno do medo, terminou em um triunfo de esperança, uma trajetória incomum para grandes reviravoltas históricas.
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