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Asia's Cauldron - Robert D. Kaplan

Atualizado: 18 de abr.



Um novo alvorecer no Oriente


Mesmo para um país de dimensões continentais como o Brasil, tudo que acontece fora dos nossos domínios nos afeta ou nos afetará de alguma forma. E isto vale tanto para a sociedade como para o indivíduo. Não importa se é na nossa vizinhança ou do outro lado do planeta, estamos todos conectados. Em "Asia's Cauldron: The South China Sea and the End of a Stable Pacific", Robert D. Kaplan, autor de vários livros, incluindo o famoso "The Revenge of Geography: What the Map Tells Us About Coming Conflicts and the Battle Against Fate", nos mostra, mais uma vez, que a geografia tem muito mais a nos dizer sobre nossa realidade e nosso futuro do que imaginamos. Ela nos ajuda a compreender as convulsões globais e o que está por vir para continentes e países ao redor do mundo.


Neste livro Kaplan analisa a geopolítica do Mar do Sul da China, ou Mar da China Meridional, parte do oceano Pacífico que compreende uma área que vai desde Cingapura até o estreito de Taiwan, totalizando cerca de 3.500.000 Km². Uma região onde vivem aproximadamente 2 bilhões de pessoas e é disputada, ilha a ilha, pelas nações que a circundam: Malásia, Cingapura, Brunei, Filipinas, Vietnam, China e Taiwan. Ao visitar cada um desses países e conversar com políticos, militares e locais, o autor nos mostra como a geografia de cada país, assim como seus aspectos culturais e históricos, tiveram influência sobre o desenvolvimento e o destino daqueles povos.


Figura 1. Mar da China e suas disputas territoriais


Crucial para as ambições chinesas e para a sobrevivência dos países da região, o Mar do Sul da China funciona como a garganta dos oceanos Pacífico Ocidental e Índico - uma massa de conexões estratégicas do ponto de vista econômico onde as rotas marítimas globais se aglutinam. Com uma das maiores taxas de desenvolvimento do mundo, movimenta cerca de 40% do comércio global - como dado ilustrativo, a porcentagem que o Mar do Sul da China representa para o comércio de Indonésia, Malásia, Coréia do Sul, Japão, Vietnã e Tailândia é de, respectivamente, 85%, 58%, 47%, 19%, 86% e 74% (CHINA POWER, 2017). Cientes dessa importância, seus países, em especial a China, têm investido maciçamente no aumento do poderio aéreo e naval nos últimos 20 anos. Para termos uma ideia do tamanho desse investimento, o poderio militar chinês chegou a tal ponto que sua marinha já superou a americana em tamanho.


Kaplan avalia que, num mundo multipolarizado do ponto de vista diplomático e econômico, a região também nos mostra como se parecerá a multipolaridade no sentido militar. Assim como o solo alemão constituiu a linha de frente da Guerra Fria, suas águas podem constituir a linha de frente militar das décadas vindouras. O Mar do Sul da China tornou-se o lugar onde a China poderá, um dia, confrontar seu poder com os Estados Unidos na Ásia, mas, por outro lado, é o equilíbrio de poder entre ela e os Estados Unidos que mantém Taiwan, Vietnã, Malásia, Filipinas, Indonésia e Cingapura livres. O que vai acontecer no futuro é uma incógnita, mas não podemos nos enganar que uma Ásia multipolar em termos militares seria uma Ásia dominada pela China, e o domínio chinês no continente seria muito diferente do domínio americano. Questões ideológicas a parte, é o equilíbrio de poder na região que dará o tom dos embates no futuro.


Figura 3. Demonstração de força da Marinha Chinesa, hoje a maior do mundo

A ascensão militar da Ásia acompanhou a ascensão econômica, mas Kaplan avalia que ela não pode continuar a mudar economicamente sem mudar política e estrategicamente. Como exemplo, ele cita o repúdio da economia marxista pela China iniciado sob Deng Xiaoping em 1979 que lhe permitiu finalmente juntar-se à economia global, um século mais tarde do que os países do Ocidente. Assim também foi com o Vietnam, onde a criação de grandes parques industriais com investimento estrangeiro permitiu tirar o país do atraso. Em relação à Cingapura, Kaplan dá especial destaque à excepcional transformação do país sob o governo autocrático de Lee Kuan Yew, primeiro-ministro do país entre 1959 e 1990. De uma economia equivalente à dos países subsaarianos da África, Cingapura tornou-se, em 30 anos, uma das nações mais ricas do planeta e a mais inovadora da Ásia.


Figura 3. Cingapura, cidade-estado com 728 Km², 5,7 milhões de habitantes e PIB de US$ 372 bilhões

As questões políticas envolvidas na região seguem um rumo diferente daquelas do Ocidente. Hoje, o nacionalismo, tão em voga na Europa no século XIX, dá as cartas na política asiática. O pragmatismo superou a ideologia, e as democracias hoje existentes só puderam ser implementadas após anos de governos autocráticos. Governos que, apesar de serem considerados ditaduras, estiveram focados no desenvolvimento econômico e na melhoria da qualidade de vida de sua população antes de se abrirem politicamente. E é isso que diferencia boa parte desses países, que superaram seu passado colonial, daqueles do Oriente Médio, África e América Latina. Citando Isaiah Berlin, um dos maiores defensores da liberdade individual do século XX: "Homens que vivem em condições em que não há comida suficiente, calor, abrigo, e o grau mínimo de segurança dificilmente pode se preocupar com a liberdade de contrato ou da imprensa".


E isso nos leva a uma questão interessantíssima. O fato de que mesmo uma democracia caótica é melhor do que o governo de um Kadafi ou de um Assad não prova nada. Mas uma democracia caótica do Oriente Médio (ou mesmo da América Latina) é melhor do que os governos autocratas chineses, cingapurianos, malaios e vietnamitas que foram responsáveis por taxas de crescimento do PIB de 10% ao ano por períodos significativos no passado? Kaplan admite que não é uma questão fácil de responder. Se levarmos essa questão para o Brasil, temos a impressão de que ficamos no meio do caminho. Nem somos um país desenvolvido nem temos uma democracia forte.


Ao final da leitura, concluímos que o mundo é muito mais do que o nosso cercadinho e muito maior do que todas as questões menores que discutimos diariamente em nosso país. E é justamente por isso que esse livro se torna tão importante para a leitura, mesmo tendo sido publicado no final de 2014. Talvez seja hora de refletir que tipo de trade-offs estamos dispostos a fazer se quisermos atingir níveis de desenvolvimento de primeiro mundo e encerrarmos de vez esse ciclo medíocre de picos de crescimento não sustentável e crises recorrentes. O epicentro da nova ordem mundial está muito mais distante agora, num lugar que pouco conhecemos, e é preciso colocar a emoção de lado para escolhermos que caminhos queremos seguir.




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